Momma Miss America

Não ao apego. Sim à música.


Comentei uma vez aqui sobre como Paul McCartney aos poucos vai dominando meu respeito e carinho. Apesar de começar como o último da minha lista de beatle preferido, o baixista gradualmente - enquanto eu e meu amor pelos Beatles cresciam - foi se tornando meu mais querido integrante do quarteto. Ele ainda não está no topo - esse lugar ainda pertence a John Lennon. Mas já não sei mais até quando isso vai durar. Conforme leio à respeito, escuto os discos solo de McCartney ou mesmo os discos dos Beatles, percebo como McCartney era um cara incrível. Essa canção faz parte do seu primeiro disco, lançado em 1970 e que marcou, definitivamente, o fim do FabFour. Não posso deixar de registrar também que será a primeira vez que registro uma viagem numa canção instrumental. Portanto, não segue a letra:



Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança...

Um dos maiores ensinamentos de Buda diz: "Tudo que começa termina. Aceite isso e tudo estará bem". À primeira lida, essa sentença pode soar um tanto pessimista. Mas não é. No entendimento de Buda, o iluminado, tudo é passageiro. Nada é definitivo. Um dos maiores problemas que originam o sofrimento em nossas vidas é o apego. Somos apegados ao que acreditamos ser o melhor para nós mesmo. Somos apegados ao amor, ao status, ao emprego, à família. Somos apegados à uma lembrança, à uma pessoa, à uma etapa de nossas vidas. Nos apegamos porque tememos à mudança e o desconhecido. Quantas vezes, ao passar por um momento especial não dizemos: "queria que isso durasse para sempre". Esse é o perigoso apego o qual Buda nos alerta. O momento não durará para sempre. As pessoas à sua volta irão embora eventualmente e nada pode ser permanente - especialmente um emprego ou uma tarde ensolarada. O dia precisa acabar para a noite chegar. E vive-versa. Só é pessimista se você acreditar que é. Se olhar por outro ponto de vista, vai perceber o quanto essa sentença é otimista, positiva e, acima de tudo racional. Momentos que chegam ao fim dão espaço para novos momentos especiais que deixamos passar em branco enquanto lamentávamos o momento anterior. Empregos que terminam abrem portas para oportunidades ainda melhores. Pessoas que se vão deixam lições preciosas e espaço para novas pessoas e novas lições. Tudo muda, nada permanece como está por muito tempo. Você não é o mesmo desde que começou a ler esse texto. Nesses poucos segundos, dentro do seu corpo, milhões de células morreram e novas células foram criadas. Se planetas inteiros deixam de existir com o passar dos milhares de anos para dar lugar à novas e brilhantes estrelas, por que é que eu vou lutar contra a mudança no meu dia? Beatles não poderia (e nem deveria) durar para sempre. Seu fim dividiu o caminho em quatro, oferecendo ao mundo novas e diferentes visões de Deus e da música. Enquanto John Lennon lançou seu maravilhoso "Plastic Ono Band", George Harrison deu à luz ao supremo álbum intitulado sugestivamente de "All Things Must Pass" (dono de canções como What is Life e My Sweet Lord). Se Ringo Starr saboreava fama e respeito talvez pela primeira vez com It Don't Come Easy, Paul McCartney publicou o seu excelente álbum "McCartney". É difícil reconhecer quando somos dominados pelo apego, mas o fim dos Beatles foi o melhor que poderia ter acontecido. Graças ao fim, Beatles se tornou a lenda que é. Como diria o mestre Ronnie James Dio, ainda no Black Sabbath: "O fim é apenas o começo". Não tema o fim. Abrace-o, pois como disse Buda, nem o fim é permanente. Se tudo que começa termina, o próprio fim uma hora acaba e dá início à um novo começo. Essa canção de McCartney é a prova de como o que há depois do fim pode ser surpreendente. O balanço comandado pelo piano é de uma vibração excepcional. O ritmo delirante pode ser intrepretado como um momento de liberdade para o nosso querido e, pela primeira vez, ex-beatle. Era 1970. Era o primeiro momento dele separado definitivamente dos Beatles. Era a hora de fazer o que ele realmente queria - sem medo, sem dó. E ele fez esse balanço viajante no piano com uma bateria firme ao fundo e, é claro, seu baixo avassalador. Como que para chutar o pau da barraca, ele ainda oferece uma guitarra absurda que, da metade para o final, nos mostra um Rock and Roll delicioso e espetacular, tão diferente do que os Beatles vinham fazendo. Não foi melhor que os Beatles. Tampouco foi pior. Esse Rock foi exatamente o que o fim promete e entrega à todos e ao mundo: foi diferente, novo e inspirador ;)

Comentários

ana.fsdesign disse…
Texto maravilhoso, cheio de sabedoria e verdade, acompanhando de uma trilha sonora inesperada elinda.
Tudo perfeito e toca fundo a alma,
essa viajante de varias vidas!
Felipe Andarilho disse…
Muito obrigado Ana! Fico feliz com a visita e os comentários!! Um abração