Eu gosto desta merda

Uma reflexão sobre os vícios da vida

Por que será que as coisas que mais gostamos de consumir sejam as mais prejudiciais a saúde? Cigarro e cerveja estão entre os maiores causadores de morte do mundo e mesmo assim são duas das substâncias mais consumidas pelas pessoas. Não posso afirmar quanto ao cigarro, mas a cerveja é, de fato, um dos líquidos mais prazerosos de ingerir, ainda mais num dia de calor. Pensando nesse paradoxo, Fernando Noronha & Black Soul fizeram uma canção que reflete sobre as coisas boas, porém ruins que gostamos de botar pra dentro. Faz parte do último disco deles, "Meet Yourself", de 2010. Segue a letra:




I Like That Stuff
(Noronha)

Man, i like that stuff

Sing it loud on
The wishes we shouldn't have
What bad is good
And what is good is bad

You ask me why I drink
I tell you a simple thing
Man, I like that stuff

I love the grease
And, baby, I really love red meat
With all that blood
Let me tell you, it just can't be beat

You say it ain't good to me
I tell you it is never enough
Cause I like that stuff

Smoke and gambling
I really love in the night
'Round the fast lane
Trying to please my mind

If you drink your milk in the morning
Or even tea late at night
I don't care, I don't mind, no

You do your thing, I do mine

Vamos à andança...

O primeiro segundo dessa música traz uma frase dita por Fernando Noronha em uma voz malandra. Trata-se do título da canção, "Man, i like that stuff" e em português poderia soar como algo descontraído, mais ou menos assim: "Cara, eu curto essa merda". Poerdoem o palavrão, mas é a palavra que mais se aproxima do contexto. Afinal, o que ele se refere é reconhecidamente uma "merda", mas ainda assim é muito boa de consumir. Ele mesmo deixa claro quando diz a primeira estrofe: "Cantando alto pelos desejos que não deveríamos ter. O que é ruim é bom e o que é bom é ruim". Nisso uma virada traz a ótima frase: "Você me pergunta por que eu bebo. Eu te digo algo bem simple: cara, eu gosto desta merda". A instrumentação é fenomenal com a guitarra de Noronha conduzindo um riff delirante e muito inspirador - tal como um bom copo de chopp. O teclado de Luciano Leães colabora com notas fortes ao fundo, criando uma viagem relaxante próxima do que um bom fumo consegue propôr. Depois de citar "gordura" e "carne vermelha", em uma nova virada, Noronha diz, decidido: "Você diz que isso não é bom pra mim. Eu digo que nunca é o bastante, por que eu gosto desta merda". Aqui entra um trecho instrumental apoteótico. A balada, antes calcada no riff de Noronha se desmembra num solo absurdo, evolutivo e progressivo até o apogeu do prazer e da viagem causada por essas substâncias tão deliciosas, mas igualmente tão destrutivas. O perigo por ora é negligenciado enquanto viajamos pelas cordas afiadas de Noronha. Quando parece que vai explodir, culmina mais um refrão ótimo: "Fumar e apostar eu realmente adoro nas noites. Cruzando as faixas rápidas, tentando acalmar minha mente". Aqui ele menda uma das frases mais interessantes da obra: "E se você bebe seu leite de manhã, ou mesmo chá durante a noite... Eu não me importo, não estou nem aí! Você faz suas coisas, eu faço as minhas". Essa frase é importante pelo pedido de respeito por cada decisão alheia. Não se engane: Noronha e sua banda não estão sugerindo que você abandone seus amigos chafurdando no vômito das drogas. Conselhos sempre são bem vindos. Mas eles sabem que cada ação tem um preço e um prazer e que se você estiver consciente de ambos os lados pode escolher livremente o que fazer. Há uma passagem parecida no Caminho do Guerreiro, um dos trechos mais interessantes, em que o Mestre Sócrates diz ao seu discípulo:

"Fumar não é repugnante, mas sim o hábito. Posso fumar um cigarro por dia e não fumar por seis meses. Posso fumar um cigarro sem uma vontade incontrolável de fumar outro. E quando fumo não finjo que meus pulmões não vão pagar o preço. Tomo a atitude correta, depois, a fim de contrabalanças os efeitos negativos. O que interessa é que domino todas as minhas compulsões, todas as minhas atitudes. Não tenho hábitos. Meus atos são conscientes, intencionais e completos"

Que a canção de hoje traga essa luz sobre o que chamamos de vícios. Não os tenha. Se quer fumar, fume. Se quer beber, beba. Se quer jogar, jogue. Mas ao fazer tudo isso esteja consciente do que faz. Saiba o preço e o prazer de cada escolha e então faça livremente, sem remorsos. Não deixe um ato consciente se tornar hábito. Não se vicie nunca, exceto na boa música ;)

Nunca ouviu?

Eu gosto muito dessa merda. Escute:

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