Nada dói além das minhas costas

Uma viagem bluseira sobre prisão, mulheres e cadillacs

No momento meu bluseiro favorito está sendo um garoto que ainda não deu as caras nem as vozes aqui no blog. Digo "garoto" por causa do seu nome, porém o bluesman já é um idoso - como todos os melhores nomes do gênero, diga-se de passagem. Seu nome é Billy Boy Arnold, exímio gaitista e dono de uma voz única no universo do blues, acompanhado de uma banda fenomenal, "The Groundhogs". Essa é parte do disco "Checkin' It Out" de 1977. Segue a letra:




1-2-99
(Arnold)

I had plenty of women, boys, in my stable
Then i got eyes from my next door neighboors
Thats what caused me to commited this crime
Shining men got me in 1989

Every morning before the break of dawn
Bars from my cell houses one by one
Pick and Shovel in my hand
To prove to the warden I'm a natural man
Guards on my left and on my right
Work from sun up 'til the dusk at night

Ain't nothing hurting but my back and side
Ain't nothing worring me but my wife and child

When I was free I thought I was smart
A whole lotta women and a cadillac car
I had plenty of women, boys, in my stable
Then i got eyes from my next door neighboors

Ain't nothing hurting but my back inside
Ain't nothing worring me but my wife and child

Vamos à andança...

Essa canção, tão logo a ouvi, se tornou uma das mais viajantes que meus ouvidos já tiveram o privilégio de escutar. É uma versão de Arnold sua própria música, Prisoner's Plea, porém com um novo tratamento. A faixa começa com uma frase em que o locutor diz estar realmente surpreso com a canção gravada no dia anterior. De fato, imagino como foi ouvir essa canção ganhando vida: sem dúvida uma experiência indescritível. A canção então começa e explica por quê. A base logo se forma numa batida e baixo realmente geniais e uma guitarrinha vibrante divide espaço com a hamônica sensacional de Billy Boy. Só pela instrumentação da banda Groundhog, a canção já valeria um play. Mas então Arnold entra e eleva a obra num patamar inédito no blues: algo surreal. Isso se dá pelo efeito criado com a voz de Arnold somado à um eco viajante. Arnold tem uma das vozes mais cativantes do blues, levemente aguda, pouco rouca e muito suave que já são suficientes pra qualquer um querer ouvir seu disco inteiro. Nessa canção porém, o efeito ecoante deixa tudo além de agradável, absurdamente viajante. Ele conta a história de um bon vivant que vai preso por "ganhar os olhos dos seus vizinhos", já que "teve milhares de mulheres no seu quarto". Na prisão "enxada e pá em minhas mãos, pra provar ao diretor que eu era um homem simplório". O grande momento fica na estrofe em que ele diz, meio sarcástico, meio amargurado: "Nada dói além das minhas costas. Nada me preocupa além de minha esposa e meu filho". Outro mérito pro Garoto Arnold é a capacidade de cantar fazendo um tipo de vibrato tremido na voz de modo que cada frase soa dolorida e ao mesmo tempo suave - incrível. O final da história trás um duplo sentido que pode ser interpretado como uma alucinação ou uma repetição dos fatos: "quando eu era livre eu pensava que era esperto. Haviam muitas mulheres e um carro Cadillac... Eu tive várias mulheres bonitas, garoto, no meu quarto. Então ganhei os olhos dos minhas vizinhos..." Esse encerramento é fenomenal, emendando os versos iniciais, dando essa incerteza quanto ao destino do personagem. Uma obra de arte impecável trazida por um bluesman menos famoso que seus conterrâneos do Chicago Blues como Muddy Waters e Buddy Guy, porém igualmente talentoso ;)

Nunca ouviu?

Nada me procupa além de você não ter ouvido. Escute:

Comentários

Renato disse…
Sensacional !!!