Estranhos perfeitos

Há alguns dias eu passava por um momento bastante especial na companhia da minha querida Danusa, quando passou na rua um sujeito de bicicleta com um som enorme acoplado atrás. Imaginei que dali viria alguma coisa nada agradável - quando não uma propaganda. Eis que o cara me surpreende com nada menos que uma das minhas músicas preferidas de toda a história do rock: "Perfect Strangers". Nem tive tempo de agradecê-lo. Essa é pra mim a obra-prima suprema do Deep Purple e saiu no melhor álbum deles, de 1984, que tem o mesmo título poderoso. Segue a letra:




Perfect Strangers
(Blackmore/Guillan/Glover)

Can you remember remember my name
As I flow through your life
A thousand oceans I have flown
And cold spirits of ice
All my life
I am the echo of your past

I am returning the echo of a point in time
Distant faces shine
A thousand warriors I have known
And laughing as the spirits appear
All your life
Shadows of another day

And if you hear me talking on the wind
You've got to understand
We must remain
Perfect Strangers

I know I must remain inside this silent
well of sorrow

A strand of silver hanging through the sky
Touching more than you see
The voice of ages in your mind
Is aching with the dead of the night
Precious life
Your tears are lost in falling rain

And if you hear me talking on the wind
You've got to understand
We must remain
Perfect Strangers

Vamos à andança...


A imagem que mais se aproxima do que eu penso ao ouvir Perfect Strangers
(capa do livro O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien)


Não estou exagerando quando digo que essa é a obra-prima do Deep Purple. Essa banda, que é uma das minhas 'de cabeceira', quando lançou Perfect Strangers estava simplesmente no auge da plena forma musical. Após alguns anos separados por pequenas intrigas, a formação clássica do Purple resolveu se reunir: ali estavam de volta dos Estranhos Perfeitos fazendo o que sabem fazer melhor. O primeiro a aparecer aqui é o tecladista mestre, Jon Lord, trazendo uma introdução vigorosa com uma distorção no teclado, como quem promete: "aí vem pedrada". Ele dá a vez ao grande bateirista, Ian Paice, e ao riff de guitarra do mestre-supremo Ritchie Blackmore. Mas a viagem decola mesmo quando Ian Guillan, com sua voz característica, começa a declamar uma poesia mística, misteriosa e altamente viajante. Não consigo ouvir essa letra e não imaginar na minha cabeça um velho sábio, vindo direto da terra-média, falando das suas viagens inacreditáveis. Ele fala como quem conhece tudo; como quem já andou por todos os lugares e já viu tudo, há muitas décadas. Quase um Merlin, ele começa: "Você consegue lembrar? Lembrar do meu nome? Enquanto eu vôo pela sua vida. Por mil oceanos eu voei, e pelos frios espíritos de gelo. Toda minha vida, sou o eco do seu passado". Visualizou o sábio, que fala através de enigmas ao tolos discípulos? Ele continua se apresentando, magnífico: "Mil guerreiros eu conheci, que davam risada dos espíritos que apareciam. Toda sua vida, sombras de outro dia", com direito à um show do vocal, sobretudo em: "aaa-aaaaaaaaall your life...". Esses versos são meus preferidos e denotam ainda mais essa visão de um antigo sábio poderoso. É como se o Gandalf andasse acompanhado de uma guitarra ao invés do cajado - o que não deixaria de ser sensacional. Entra então o refrão, numa virada leve onde a guitarra faz um solinho de fundo, e o baixo pesado continua no comando: "Se você me ouvir falando ao vento, você tem que entender, nós devemos permanecer, Estranhos Perfeitos". Mal Guillan acaba de dizer esse verso tão bonito, e já há uma acelerada na bateria e efeitos no teclado que preparam algo grandioso - o ponto alto da canção. É difícil descrever, mas vou ser um tolo ousado e tentar: entra uma guitarra pesadíssima, trazendo uma base que vai repetindo, e ao fundo, numa harmonia impecável, a bateria continua à violentas pancadas junto com o baixo. É preciso ouvir pra entender o poder desse trecho. É um poder tão grande que só personagens como Gandalf ou Merlin fazem jus. Aliás a cena que me vem na cabeça ao ouvir essa guitarra é a de uma marcha dos melhores guerreiros - daqueles que "dão risada dos espíritos que aparecem" - em direção à uma violenta e decisiva guerra. Ainda vou fazer um vídeo assim: guerreiros avançando, rindo, batendo nos escudos com as espadas, ao som do Deep Purple. Vai ser um sucesso absoluto. Enquanto isso eu vou ouvindo, viajando e concordando que alguns estranhos são mesmo perfeitos juntos ;)

PS: Essa belezinha já foi citada aqui no especial À todos os andarilhos.

PS2: Tive que diminuir o texto pra não ficar muito grande. Eu poderia escrever um livro sobre Perfect Strangers...

Nunca ouviu?

Se é estranha pra você, melhor ainda. Escute:

Comentários

Renato disse…
Sensacional, o texto e música!

Abraço